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Descontentamento!? Protesto contra a Liberdade!?

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Osvaldo Russo

Português cigano estudante de Direito na Universidade de Coimbra


O dia de 10 de março de 2024 foi o dia mais macabro e cruel da história da Democracia Portuguesa dos últimos 50 anos.


Precisamente, no ano em que se completa 50 anos da queda do regime político

ditatorial, autoritário, autocrata e corporativista de Estado, que vigorou em Portugal durante 48 anos ininterruptos (1926 a 1974). Embora tenham sido denominados dois períodos diferentes – Ditadura Nacional (1926-1933) e Estado Novo (1933-1974) – o regime ditatorial vigorou quase meio século.


Em abril de 1974, reconquistaram-se Direitos fundamentais dos cidadãos portugueses, que outrora haviam sido restringidos pelo regime político implementado, direitos esses que foram transcritos e protegidos na nossa Constituição da República Portuguesa de 1976.


Parece que a população ainda não aprendeu as lições do que se viveu no século passado, pois deixaram-se levar pelos discursos populistas e demagogos. A esfera democrática do nosso Estado de Direito Democrático foi gravemente ferida, quando mais de um milhão de pessoas decidiram votar num partido que coloca em causa todos estes direitos constitucionais e, além disso, no seu programa, manifesta a intenção de realizar profundas alterações à nossa Constituição, querendo reintroduzir no nosso Código Penal a pena de prisão perpétua, que foi abolida em Portugal em 1884, a sanção acessória de tratamento para inibição de líbido – a chamada castração química – e assumiu publicamente ser defensor da “quarta República”. Isto é regredir a Natureza Humana, no sentido sociocultural, e voltar aos tempos sombrios que os nossos antepassados viveram.


A política populista é sempre enganadora, porque fazem discursos metódicos que englobam os medos e desejos de uma sociedade de massas e utilizam a cultura kitsch – uma poderosa construção cultural planejada para colonizar a consciência do receptor, ou seja, valem-se de uma vasta panóplia de símbolos patrióticos, de imagens tocantes do povo sofrido, de slogans bombásticos, mas essencialmente vazios, de promessas que muitas vezes jamais serão cumpridas, de evocações mitificadas de um passado nacional ou partidário glorioso e de profecias sobre uma brilhante utopia social, exigindo nada dos eleitores senão uma tácita complacência desprovida de qualquer senso crítico, bombardeando o público através de agressiva propaganda em veículos de comunicação de massa como a televisão e o rádio – resumindo é uma lavagem cerebral através de discursos demagógicos e de vitimização. Mas no fundo só o poder conta, a aspiração cega ao poder, onde tudo se tolera e se recusam a admitir que são de extrema-direita e fascistas. Ora tudo

isto, adicionando ressentimento, ódio, nacionalismo, alguns problemas existentes no nosso país e iliteracia política, fazem aparecer o “camuflado” fascismo, pois os fascistas nunca se assumem como tal. Isso causa a dita “cegueira politica”, dado que até as próprias “presas” votaram no seu “predador”.


Os políticos deste país tentam justificar este fenómeno, alegando o descontentamento da

população , que exerceu o seu direito ao sufrágio em forma de protesto.


O descontentamento e protesto não serve para justificar o voto num partido populista com ideologias fascistas. Porque não votaram noutro partido? Não existiam mais partidos para se votar? Eis a grande questão...


Tentamos arranjar resposta mas é difícil... E a pergunta que mais me vem à cabeça é: não

será porque este partido se enquadra melhor com a ideologia destes mais de um milhão de

cidadãos?


Estão descontentes com a politica e governação do país, existiam outras alternativas para votarem em forma de protesto. Ou estão descontentes e protestaram contra a liberdade? Tentar justificar o ato irrefletido e negligente das pessoas que permitiram eleger 48 deputados num partido que é antidemocrático, é tão grave como votar nesse partido, porque tudo aquilo que se conquistou, pode ser perdido num ápice.


Logo, será mais importante proteger os cidadãos fragilizados e com os seus direitos ou reconquistar eleitorado para chegar ao poder?


Penso que a resposta é óbvia, pois os direitos são garantidos constitucionalmente.


Ora as questões que todos equacionam, passa por tentar perceber:

- O que aconteceu nestas eleições? Onde o Estado errou para que os seus cidadãos comprometessem a democracia, votando num partido de ideologias fascistas?


Primeiramente, o Estado falhou porque nunca defendeu ou interveio a favor daqueles que

este partido atacava desde o início: as minorias étnico-raciais. Pelos vistos, fazer como diz a expressão popular “ouvidos de surdo”, não resultou. E acabou dando ainda mais visibilidade a este populista que se vitimizou sempre e que cultivou a crença de que este seria o “Messias” ou “D.Sebastião” da política portuguesa, porque este era contra a politica do país, que é o único capaz de salvar o país, as instituições e serviços do Estado e o seu povo! Quando na verdade, não foi apresentada nenhuma proposta decente, mas o descontentamento e as verdadeiras ideologias de uma parte da nossa nação, foram mais fortes.


Nós, cidadãos, falhámos porque trocamos o afeto e a sociabilização com as pessoas pelos ecrãs, fruto de uma geração de uma nova era digital.


O Estado falhou, porque existe uma enorme iliteracia política na sociedade portuguesa. O

combate à iliteracia política é o combate à abstenção e concerne a todos os partidos políticos e cidadãos. É parte essencial na luta contra o discurso xenófobo e de extrema-direita que, um pouco por toda a europa, se propaga junto de um eleitorado desiludido e que se prefere radicalizar num discurso extremista a exigir mudança. Os partidos políticos, tanto de esquerda como de direita – elites políticas – falharam, porque perderam a sua verdadeira essência e princípios, sobre aquilo que são as suas visões e ideologias para cativar mais eleitorado, desagregando-se daquilo que era a suabase ideológica para substituir pela conveniência política em busca de mais eleitores. Sabemos que o número de votos é importante para as eleições, mas trocar as suas convicções partidárias pelo poder, iria trazer as suas consequências... e eis que aqui

está uma delas!


Os políticos deste país tentam justificar este fenómeno, alegando o descontentamento da população, que exerceram o seu direito ao sufrágio em forma de protesto.


O descontentamento e protesto não servem para justificar o voto num partido populista com

ideologias fascistas. Porque não votaram noutro partido? Não existiam mais partidos para se votar? Eis a grande questão...


Tentamos arranjar resposta mas é difícil... e a pergunta que mais me vem à cabeça é: não será porque este partido se enquadra melhor com a ideologia destes mais de um milhão de cidadãos?


Tentar justificar o ato irrefletido e negligente das pessoas que permitiram eleger 48 deputados num partido que é antidemocrático, é tão grave como votar nesse partido, porque tudo aquilo que se conquistou, pode ser perdido num ápice.


Logo, será mais importante proteger os cidadãos fragilizados e com os seus direitos ameaçados ou reconquistar eleitorado para chegar ao poder?


Penso que a resposta é óbvia, pois os direitos garantidos constitucionalmente têm de ser respeitados e protegidos! O poder político de nada serve quando desprezamos vidas humanas. Mas nada disto importa quando se falam em minorias.


Durante cinco séculos de existência em território nacional, o povo cigano foi perseguido e continua a ser. Existe uma inércia evidente do Estado, Instituições que o representam e até da Justiça quando o assunto envolve minorias.


Existem cidadãos de 1ª e 2ª categorias? Segundo o Art.13o da Constituição, não. Mas analisando bem, chegamos à conclusão que na prática, sim! Pois as minorias étnico-raciais, que são os povos mais desprotegidos da nossa sociedade, são o “bobo da corte” e ninguém se pronuncia quanto a isto. Poucas vezes vemos políticos a sair em defesa destas minorias. Porque o eleitorado importa mais que vidas humanas, que são ostracizadas e consideradas estrangeiras no seu próprio país.


Estas pessoas fragilizadas, são abandonadas pelo sistema que é estruturalmente racista, caso não fosse, não estaríamos com estratégias de inclusão para as minorias. Isto é prova de abandono das elites políticas, pelo sistema educativo, pelas elites empresariais e pelo nosso sistema.


Não se pode culpabilizar as vítimas do sistema. Não se pode exigir algo a quem não tem qualquer poder de decisão sobre a ostracização de que são alvo, pois o ponto de partida não é igual para quem nunca teve oportunidades de mostrar o seu valor. Mesmo aqueles a que essa oportunidade é concedida, é-lhes exigido que sejam dotados de competência a dobrar ou a triplicar, para que se destaquem ou sejam aceites. Um mero exemplo disso, é a ilustração sobre dois alpinistas que vão escalar uma montanha íngreme. Um dos alpinistas sofreu um acidente e como consequência desse acidente, houve necessidade de lhe amputarem um braço. Entretanto, este não perdeu o seu gosto pelo alpinismo e pretende continuar com a sua atividade. Os dois alpinistas podem partir do mesmo ponto de partida, mas as dificuldades serão acrescidas a quem lhe foi amputado um braço. E o tempo de conclusão do desafio será maior também para ele. Existe uma clara vantagem sobre o alpinista que tem os dois braços.


Assim acontece com as minorias, que o “seu braço” foi amputado pelas discriminações e perseguições durante história. É possível que consigam chegar ao destino mas levará o seu tempo e terão que se adaptar para ultrapassar as dificuldades acrescidas que vão surgir no seu percurso.


Mas serem impedidas de poderem sequer tentar, é uma injustiça de todo o tamanho! Uma calamidade e desrespeito total pela vida humana.


Votar em qualquer partido é um direito que todos temos! O nosso voto é um exercício de poder facultado pelo Estado Democrático, que é exercido pelo povo!


Citando uma frase da música Grândola, Vila Morena de Zeca Afonso: “o povo é quem mais ordena!”, mas devemos consciencializar o povo de que o seu direito ao sufrágio deve ser exercido de forma refletida e responsável, pois nem tudo que reluz é ouro e corremos o risco de nos próximos anos, esta parte da música “o povo é quem mais ordena!”, se alterar para o “demagogo é quem mais ordena!”.

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